Tuesday 29 April 2008

vidas

Depois das aulas costumávamos ir até um café perto do Finsbury Park Odeon. Enquanto outros da nossa idade estavam de nariz enfiado nas colecções de selos ou nos trabalhos de casa, nós passávamos ali muitas horas a discutir... Às vezes conversávamos com os homens que por ali apareciam depois do trabalho. E Millais devia ter estado presente para nos pintar enquanto escutávamos, imóveis como estátuas, fantasias e proezas ininteligíveis acerca de negociatas com condutores de camiões, de chumbo roubado em telhados de igrejas, de combustível subtraído ao departamento de obras da cidade, e ainda de engates, de borrachos, de saias, de marmelada, de conquistas, de chupanços, de cus e mamas, de fodas, por cima, por baixo, de frente, com, sem, de arranhadelas e rasgões, de lambidelas e porcarias, de conas sumarentas, quentes e infinitas, e de outras frias e áridas, mas que valia a pena experimentar, de pichas velhas e moles ou jovens e efervescentes, de se virem cedo demais ou tarde demais, de negas, de quantas vezes por dia, de doenças concomitantes, de pus e tumefacções, de úlceras de arrependimento, de ovários envenenados e testículos vazios. Ouvíamos como e com quem os homens do lixo fornicavam , o que os leiteiros despejavam, quem o montador de estores montava, o que o pedreiro levantava, o que o homem da água inspeccionava, o que o padeiro amassava, o que o homem do gás cheirava, o que o canalizador entubava, a quem o electricista se ligava, o que o enfermeiro injectava, o que o solicitador solicitava, o que o fiscal fiscalizava - e por aí adiante, num conjunto irreal e muito estafado de trocadilhos, alusões, preceitos, frases feitas, crenças e fanfarronadas. Escutava sem compreender...


Ian McEwan, Primeiro amor, útimos ritos

No comments: