Friday 14 March 2008

Por exemplo?

Sim, por exemplo, o que significa ser homem. Numa cidade. Num século. Em transição. Numa massa. Transformado pela ciência. Sujeito a um poder organizado. A controlos tremendos. Numa situação causada pela mecanização. Depois de ver defraudadas esperanças radicais. Numa sociedade sem sentido da comunidade e que desvalorizava a pessoa humana. Devido ao poder exponencial dos números que tornou o eu despiciendo. Que gastava milhões em despesas militares contra inimigos estrangeiros, mas não pagava para ter ordem internamente. Que permitia a selvajaria e a barbárie nas suas grandes cidades. Ao mesmo tempo, a pressão de milhões de humanos que descobriram o que os esforços e os pensamentos concertados podem fazer. Tal como megatoneladas de água dão forma a organismos no fundo dos oceanos. Tal como as pedras são polidas pelas marés. Tal como os ventos escavam falésias. Uma bela supermaquinaria a desvendar uma nova vida a uma humanidade incontável. Negar-lhes-ia o direito de existirem? Pedir-lhes-ia que trabalhassem e pasassem fome enquanto tu desfrutavas de valores antiquados? Tu - tu mesmo és um filho dessa massa e um irmão de tudo o resto. Ou então um ingrato, um diletante, um idiota. «Aí tens, Herzog», pensou Herzog, «já que pediste um exemplo, é assim que as coisas são.»
Saul Bellow, Herzog,1964

(Ian McEwan, Saturday)

2 comments:

Unknown said...

Ser homem é exactamente fazer essas perguntas, porque ser-se Homem não é uma questão de genero ou idade, mas sim de mentalidade.

Abraço

Tom said...

sim, precisamente!