Wednesday 1 October 2008

tr3s

O’Byrne riu-se descontroladamente.
-Dizer mentiras… dizer mentiras…- gaguejou. Lucy tirou a garrafa das mãos de Pauline e levou-a aos lábios. O’Byrne recuperou um pouco da serenidade. As pernas tremiam-lhe. – Endoideceram ambas.
Lucy deu uma pancadinha no esterilizador e disse a Pauline:
- Isto demora ainda alguns minutos. Vamos lavar as mãos na cozinha.
O’Byrne tentou levantar a cabeça.
- Aonde vão? – perguntou, quando saíram. – Pauline… Pauline!
Mas Pauline não tinha nada mais a dizer. Lucy parou à porta do quarto e sorriu-lhe.
- Vamos deixar-te um cotozinho giro, para te recordares de nós. – E fechou a porta.
Na mesa de cabeceira, o esterilizador começou a assobiar. Pouco depois ouviu-se o barulho baixo de água a ferver e no interior os instrumentos chocarem ao de leve uns com os outros. Aterrorizado, ele puxou a mão. O cabedal estava a esfolar-lhe a pele do pulso. A correia roçava-lhe agora na base do polegar. Passaram minutos infinitos. Ele choramingava e puxava, e a aresta da correia cravava-se-lhe profundamente na mão. Estava quase livre.
A porta abriu-se e Lucy e Pauline entraram com uma pequena mesa baixa. Devido ao medo, O’Byrne sentiu de novo excitação, uma excitação horrorizada. Elas colocaram a mesa ao lado da cama. Lucy inclinou-se muito para a erecção dele.
- Oh, olhem para isto… olhem para isto – murmurou. Com uma pinça, Pauline tirou instrumentos da água a ferver e depositou-os, em filas certas e cromadas na toalha da mesa branca, engomada, que estendera em cima da mesa. A correia deslizou um nadinha para a frente. Lucy sentou-se na beira da cama e tirou a seringa grande do recipiente em forma de rim. – Isto vai deixar-te um pouco ensonado – prometeu. Voltou a seringa para cima, na perpendicular, e expeliu um pequeno jacto de líquido. E quando ela estendia a mão para o algodão em rama o braço de O’Byrne soltou-se. Lucy sorriu. Pousou a seringa. Inclinou-se de novo para a frente… quente, perfumada… fitando-o com os olhos vermelhos desvairados… os seus dedos brincaram sobre a sua ponta… imobilizou-o entre os dedos. – Deita-te para baixo, Michael, meu queridinho. – Acenou rapidamente a Pauline. – Se prender melhor essa correia, enfermeira Shepherd, penso que depois podemos começar.



(Ian McEwan, Entre os lençóis)

No comments: